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Violência Política de Gênero: A Circulação de Sentidos em Episódios Comunicacionais das Eleições de 2020
Gender Political Violence: The Circulation of Meanings in Communicational Episodes of the 2020 Elections
Violencia Política de Género: la Circulación de Significados en los Episodios Comunicacionales de las Elecciones de 2020
Revista Comunicando, vol. 12, núm. 1, e023005, 2023
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação

Comunicação Política

Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 12, núm. 1, e023005, 2023

Recepção: 10 Novembro 2022

Aprovação: 28 Fevereiro 2023

Publicado: 04 Abril 2023

Resumo: Analisa-se a circulação de sentidos sobre reportagens relacionadas à violência política de gênero envolvendo a candidata à prefeitura da cidade brasileira de Porto Alegre no Rio Grande do Sul, Manuela d’Ávila, durante o segundo turno das eleições municipais de 2020. O intuito é mapear e compreender os episódios comunicacionais (Braga, 2017), a partir de matérias jornalísticas publicadas pelo portal de notícias UOL para identificar sentidos que circulam sobre a temática da violência política de gênero. A base da pesquisa alicerça-se nos conceitos de circulação e da sociedade em midiatização (Neto, 2018). Inicialmente foi feita uma linha do tempo para auxiliar na análise inferencial panorâmica dos quatro episódios. Depois, utilizou-se o software de análise lexicométrica Iramuteq para encontrar indícios dos principais sentidos em circulação por meio do recurso de nuvens de palavras. Identificamos quatro eixos de transversalidades presentes nos episódios: (a) ataques à Manuela d’Ávila; (b) posição do UOL; (c) fluxos para além da notícia; (d) elogios à Manuela d’Ávila.

Palavras-chave: Circulação de Sentidos, Episódios Comunicacionais, Violência Política de Gênero, Eleições 2020, Manuela d’Ávila.

Abstract: The article analyzes the circulation of meanings about news related to political gender violence involving the candidate for mayor of the Brazilian city Porto Alegre, Rio Grande do Sull, Manuela d’Ávila, during the second round of the 2020 municipal elections. The intention is to map and understand the communicative episodes (BRAGA, 2017), based on journalistic articles published by the UOL news portal to identify meanings that circulate on the theme of political gender violence. The research is based on the concepts of circulation and society in mediatization (Neto, 2018). Initially, a timeline was made to assist in the panoramic inferential analysis of the four episodes. Then, we used the Iramuteq lexicometric analysis software to find evidence of the main meanings in circulation through the use of word clouds. We identified four axes of transversality present in the episodes: (a) attacks against Manuela d’Ávila; (b) UOL's positioning; (c) flows beyond the news; (d) praise for Manuela d’Ávila.

Keywords: Circulation of Meanings, Communicative Episodes, Political Gender Violence, 2020’s elections, Manuela d’Ávila.

Resumen: Se analiza la circulación de sentidos sobre denuncias relacionadas con la violencia política de género que involucran a la candidata a alcaldesa de la ciudad brasileña de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Manuela d’Ávila, durante la segunda vuelta de las elecciones municipales de 2020. El objetivo es mapear y comprender los episodios de comunicación (BRAGA, 2017), a partir de artículos periodísticos publicados por el portal de noticias UOL para identificar significados que circulan sobre el tema de la violencia política de género. La base de la investigación se fundamenta en los conceptos de circulación y sociedad en mediatización (Neto, 2018). Inicialmente, se hizo una línea de tiempo para ayudar en el análisis inferencial panorámico de los cuatro episodios. Posteriormente, se utilizó el software de análisis lexicométrico Iramuteq para encontrar evidencias de los principales significados en circulación mediante el uso de nubes de palabras. Identificamos cuatro ejes de transversalidad presentes en los episodios: (a) ataques a Manuela d'Ávila; (b) la posición de UOL; (c) fluye más allá de las noticias; (d) elogios a Manuela d'Ávila.

Palabras clave: Circulación de los Sentidos, Episodios Comunicacionales, Violencia Politica de Género, Elecciones de 2020, Manuela d’Ávila.

1. Introdução

O processo eleitoral brasileiro de 2020 foi marcado pelo aumento de mulheres eleitas aos cargos municipais e por intensos ataques às candidatas mulheres, dentre elas Manuela d’Ávila, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que perdeu a disputa no pleito de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Entre as formas de violência, ocorreram ataques nos debates eleitorais partindo dos concorrentes e de integrantes das plataformas digitais. Diversos meios de comunicação repercutiram esses fatos, como o portal de notícias UOL, que publicou quatro matérias que faziam referência aos ataques sofridos pela candidata no período do segundo turno das eleições, as quais suscitaram diferentes sentidos pelos leitores no espaço de comentários do site do veículo. A escolha pelo portal deu-se pela cobertura ampla realizada nas eleições, além do ambiente de interação, local em que se concentra a análise e no qual a circulação de sentidos intensifica-se. No total, as quatro matérias somaram 277 comentários.

Diante desse contexto, propõe-se analisar a circulação de sentidos nos episódios comunicacionais (Braga, 2017), que são compreendidos pelo texto de cada uma das reportagens e os seus comentários. As matérias noticiam a violência política de gênero sofrida pela candidata Manuela d’Ávila durante a campanha para a prefeitura da capital gaúcha no segundo turno das eleições de 2020, entre 16 e 29 de novembro. O objetivo da análise é mapear e compreender os episódios comunicacionais (Braga, 2017), para identificar os sentidos que os leitores constroem sobre a temática da violência política de gênero colocada em circulação pela mídia.

O estudo dá-se a partir dos conceitos norteadores desenvolvidos por José Luiz Braga (2017), que ajuda a pensar as interações entre os atores sociais, além dos conceitos em torno da circulação no contexto de midiatização da sociedade compreendidos por Neto (2018). O artigo dialoga com outras investigações no grupo de pesquisa Circulação Midiática e Estratégias Comunicacionais (Cimid) e integra o projeto de pesquisa da orientadora “A circulação discursiva no contexto de midiatização da sociedade”, tendo sido realizada de agosto de 2020 a julho de 2021 por meio de bolsa de iniciação científica concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Metodologicamente, o trabalho apresenta, num primeiro momento, um panorama dos quatro episódios comunicacionais, descrevendo-os e apresentando os principais sentidos em circulação. Para esta etapa, apoiamo-nos na construção de uma linha do tempo para situar a descrição dos episódios e, posteriormente, efetuamos uma análise inferencial dos primeiros três episódios comunicacionais. Num segundo momento, usamos o software de análise lexicométrica Iramuteq, o qual contribui para dar conta da quantidade de comentários e mostrar indícios dos sentidos que emergem. Tal movimento propõe uma perspectiva integrativa entre as métricas e o retorno aos textos para a análise (Romero e Borelli, 2021; Frigo e Romero, 2021; Frigo, Romero e Borelli, 2022). Por fim, realizamos inferências transversais (Braga, 2017) sobre os sentidos observados, com o objetivo de apontar os temas que atravessam os episódios analisados.

2. Circulação e Construção de Episódios Comunicacionais

Para Fausto Neto (2018) o processo de midiatização em curso é afetado pelas mudanças tecnológicas e pelas novas lógicas de circulação, as quais mudam e complexificam a relação entre produtor e receptor, afastando-os de uma relação linear — perspectiva que marcou os estudos sobre as mídias, nos Estados Unidos, no início do século passado. A comunicação passa a ser vista como um processo de produção e reconhecimento, relação que se dá a partir da nova ambiência midiatizada.

A circulação não é mais uma “zona de passagem”, mas um lugar de “produção e de trânsito de discursos, onde sentidos são ao mesmo tempo engendrados e disputados” (Neto, 2018, p. 31). Para o autor, há uma interpenetração entre as dinâmicas da internet e da organização social, as novas condições de produção de sentido são afetadas tanto pelas dimensões tecnológicas e de regulação quanto pelas práticas diversas dos atores sociais. Essa nova “arquitetura comunicacional”, como denominada pelo autor, transforma as tecnologias em meios e faz com que a circulação trace um novo cenário para as interações, afetando as práticas sociais.

É o que também aponta Grohmann (2020), ao pensar a circulação como um lugar epistemológico no qual é possível observar os processos comunicacionais, chamando atenção para as assimetrias dessa circulação. Segundo ele, é preciso compreender suas descontinuidades, conflitos, rupturas e todos os movimentos que a complexifica, pois é a partir disso que entendemos a comunicação como um espaço de disputas de sentido.

Portanto, entendemos que a relação entre os sentidos produzidos pela mídia e pelos atores sociais encontram-se neste espaço de interpenetração entre a internet e a organização social (Neto, 2018). A partir de nosso objeto percebemos um atravessamento entre o jornalismo, a política e as lógicas dos espaços para comentários, o que demonstra a relação complexa estabelecida entre produção e recepção, observada como efeito do processo de midiatização da sociedade (Borelli, 2016). Mais especificamente, em nossa análise, a investigação ocorre sob a articulação de sentidos entre os produtos veiculados pelo UOL, o contexto do período da eleição e, por fim, os comentários disponíveis no site do veículo de comunicação.

Diante dessa complexa atividade de circulação, concordamos com Braga (2017) quando diz que os sentidos são produzidos pelos participantes em fluxo sempre adiante. Segundo o autor, os episódios interacionais acontecem mediante dois componentes mínimos: os códigos e as inferências. Os códigos são elementos compartilhados, enquanto as inferências são elementos em processamento que envolvem, por exemplo, a relação entre os indivíduos. Dessa forma, os códigos são insuficientes para garantir a comunicação entre os atores sociais, sendo necessário o processo adicional das inferências para completar a comunicação.

Os episódios comunicacionais são a “comunicação concreta” (Braga, 2017, p. 69) e aqui em nossa análise entendemos como episódios a articulação entre cada uma das matérias e seus comentários. Braga (2017) entende que produtores são os participantes de um episódio interacional que fornecem elementos para a circulação, enquanto os receptores acionam esses elementos em um outro episódio. Ou seja, o receptor faz o fluxo seguir adiante, alimentando novos episódios interacionais — o que foi observado no caso dos leitores do UOL, que constroem novos sentidos a partir do que é dito pela reportagem.

Dessa forma, ainda de acordo com Braga (2017), o produto midiático se caracteriza como um ponto nodal da circulação, por ser um espaço significativo de interações, no entanto, não deve ser classificado como o ponto inicial do fluxo, pois ele já é fruto de outros processos de interação. Assim, as matérias (produto) em análise são “um objeto para circular” (Braga, 2017, p. 53) que, por sua vez, são resultados de processos da sociedade, como o debate acerca da violência política de gênero devido aos ataques sofridos pelas candidatas. E, ao mesmo tempo, fornecem elementos para que novos episódios sejam acionados, seja no contexto midiatizado ou não.

Ao analisar os sentidos que circulam, procuramos identificar de que forma os participantes compreendem e geram novos sentidos sobre o tema da violência política de gênero. A violência contra as mulheres na política vem sendo reconhecida, especialmente na América Latina, como uma estratégia de impedir a participação das mulheres como candidatas e também autoridades eleitas (Krook & Sanín, 2016). De acordo com as autoras, a violência ocorre tanto em atos explícitos como nos meios de comunicação e redes sociais, simplesmente por serem mulheres. Elas caracterizam os tipos de violência como violência física, violência psicológica, violência inter-relacionada, violência simbólica e violência econômica.

Conforme a “Declaração sobre Assédio Político e Violência Contra as Mulheres” de 2015, termos como violência política de gênero, violência política sexista ou violência contra as mulheres na política, são sinônimos que servem para designar atitudes praticadas em razão de discriminação de gênero, e cujo propósito seja minar, anular, impedir ou restringir os direitos políticos das mulheres. No Brasil, dentre os casos extremos deste tipo de violência, pode-se citar o assassinato da vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Rio de Janeiro, em 2018.

A reportagem “Violência política de gênero: as diferenças entre os ataques recebidos por mulheres e seus oponentes”, produzida pela Revista Azmina, analisou o discurso contra mulheres em tuítes durante a campanha eleitoral de 2020. O monitoramento mostrou que enquanto homens são ofendidos por trabalhos ou posicionamentos, as mulheres são atacadas por atributos físicos e intelectuais.

A violência de gênero pode-se manifestar em diversas etapas dos processos políticos. Costuma ocorrer até mesmo antes da candidatura, no enfrentamento da resistência interna dos partidos em viabilizarem essa participação feminina. Depois, a intolerância se dá durante a campanha com a falta de recursos, perseguições e ameaças. Por fim, quando eleitas, passam a vivenciar violências ainda mais graves durante a realização dos seus trabalhos. Conforme explicita de Araújo (2022), ao tratar do tema é importante destacar que a violência se torna ainda maior ao adicionar fatores interseccionais, como raça, orientação sexual e identidade de gênero. O fenômeno da violência política de gênero e raça no Brasil é histórico e estrutura as bases de formação do país. Portanto, ao olhar para a violência política e sua relação com o contexto social brasileiro, percebe-se que ela se apresenta sob múltiplas facetas: racista, capacitista, transfóbica e LGBTfóbica.

O tema é objeto de lei no Brasil. Aprovada em 2021, a Lei n° 14.192 define a violência política contra a mulher como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”. O texto também proibiu quaisquer propagandas partidárias que depreciem a condição de mulher ou estimulem sua discriminação em razão do sexo feminino ou em relação à sua cor, raça ou etnia. O maior desafio é a fiscalização para o cumprimento da lei, tendo em vista que, com o crescimento das campanhas virtuais das últimas eleições, os discursos de ódio e a desinformação vêm atravessando o exercício político de mulheres com ainda mais força. Segundo a pesquisa sobre Violência Política realizada pelo Instituto Marielle Franco, oito a cada dez mulheres sofreram violência virtual de desinformação ou discurso de ódio.

3. Desenho Metodológico: Uma Experimentação

Como dito, o objetivo proposto é analisar a circulação de sentidos nos episódios comunicacionais — reportagens e comentários — sobre a violência política de gênero relacionada à candidata do PCdoB, Manuela d’Ávila, à Prefeitura Municipal da cidade brasileira de Porto Alegre no Rio Grande do Sul (RS), durante o segundo turno das eleições de 2020. Para alcançar o proposto, primeiramente, foi elaborada uma linha do tempo que tem sido uma estratégia metodológica elaborada para nos acercamos dos objetos de pesquisa e termos indícios para posteriormente podermos fazer delimitações (Gonçalez et. al 2020) contendo as datas de publicação de cada matéria em ordem cronológica, o título, a quantidade de comentários e o link.

Além de contribuir na visualização e contextualização do que ocorreu, esse movimento também colabora na identificação dos momentos de maiores fluxos comunicacionais e na compreensão da relação entre as matérias publicadas e os leitores. Embora o estudo disponha de amplo material (campanha, eleição e pós-eleição), para o artigo optamos por concentrar a análise no segundo turno das eleições, como forma de delimitação e também por perceber que nesse momento havia uma maior concentração de sentidos circulando e envolvendo a candidata Manuela d’Ávila[1].



Figura 1

Linha do tempo da circulação de notícias sobre Manuela d’Ávila no segundo turno

Após compreender o conjunto de cada matéria e os comentários decorrentes delas como um episódio comunicacional (Braga, 2017), apresentamos um panorama de cada uma, apontando os principais sentidos que circulam (figura 1). Por fim, com uma perspectiva inferencial (Braga, 2017) a partir dos indícios observados, levantaremos pontos em comum entre os episódios e os sentidos que os diferenciam. A intenção é entender como o fenômeno da comunicação articula-se com demais processos da sociedade. Assim, primeiramente os episódios são analisados de forma individual, considerando os comentários apenas da reportagem em questão, para que depois se possa identificar e relacionar pontos de proximidade entre os demais episódios. Os comentários não se repetem nos episódios, porém, no conteúdo deles podemos identificar menções aos fatos que compõem o caso analisado, tendo em vista o fluxo adiante na circulação, de acordo com Braga (2017). Cada comentário foi numerado de acordo com a ordem em que aparece na íntegra do portal UOL e apresentado como “C”. Também foi incluído o número do episódio comunicacional acompanhado da palavra “E”, assim como a data que foi publicado, por exemplo: [E1-C1-dd/mm/aa]. Além disso, determinadas palavras foram destacadas em itálico, para contribuir na compreensão dos sentidos centrais da análise.

O primeiro episódio tem relação com a primeira matéria que foi publicada no dia 24 de novembro, data que contempla o segundo turno das eleições municipais. O título é “TRE derruba mais 70 mil compartilhamentos de notícias falsas sobre Manuela”. O texto é curto e busca informar sobre medida expedida pelo TRE-RS acerca dos ataques virtuais sofridos pela candidata. A matéria obteve nove comentários no portal. Dentre as principais abordagens que os leitores fazem em seus comentários, há questionamentos ao UOL quanto à existência de notícias falsas contra a candidata. Um exemplo é: “A UOL tem provas de que as notícias são falsas? Apresente-as por favor.” (E1-C7-29/11/20).

A segunda publicação é de 29 de novembro, dia da votação do segundo turno das eleições, com o título “Manuela vota em Porto Alegre e critica campanha marcada por fake news” e diz respeito ao segundo episódio comunicacional. A matéria possui 23 comentários, noticia o voto da candidata e também sua declaração a respeito dos ataques sofridos durante a campanha. Os sentidos construídos pelos leitores remetem ao fato de que ela não seria a candidata ideal para assumir o cargo e referem-se, principalmente, à capacidade da candidata de vencer as eleições, como: “Se essa defensora de coisas podres ganhar, o que acho impossível, Porto Alegre está perdida!” (E2-C10-29/11/20). A partir desse comentário, há mais fluxos em que outros dois participantes respondem, no intuito de defender a candidata “Jura? Eu já acho o contrário. E aí, gênio?” (E2-C11) e questionar o comentário do primeiro “Qual coisa podre que ela defende?” (E2-C12).

Notamos que os comentários tendem a recorrer a questões como ataques à aparência, personalidade e vida pessoal, por exemplo: “Fingir ser católica e se vestir igual a uma dama não é fake news??? Fora esquerda!!!!!” (E2-C15-29/11/20); “Porto Alegre, força! Essa maluca não vai ganhar!!” (E2-C19-29/11/20). Também há uma relativização da violência política de gênero sofrida por ela durante a campanha: “Fake news é ir com o ‘candidato’, poste, em uma igreja fingir que é católica, depois nunca mais ir na igreja, essa bandida deveria ir para a cadeia.” (E2-C1-29/11/20).

O terceiro episódio corresponde à matéria três, também publicada no dia 29 de novembro, com o título “Manuela parabeniza Melo, mas lamenta ser alvo de “baixaria” e fake news”, que obteve 32 comentários. O conteúdo consiste na repercussão do pronunciamento de Manuela d’Ávila após a derrota nas eleições. Há comentários que questionam a imparcialidade do meio de comunicação na cobertura da notícia, como: “qual foi a baixaria mesmo? Esse UOL é totalmente partidário. Nenhum mal em ser, mas um pouco de honestidade editorial é bom” (E3-C3-29/11/20). Enquanto outros o acusam de ser um jornal posicionado: “Manuela é uma brincadeira de mau gosto. Afinal, o que quer o UOL? Ser um jornal ativista de esquerda?” (E3-C8-29/11/20) ou de estarem ao lado de Manuela: “Deixa aqui a sua risada pro UOL e pra sua candidata comunista derrotada. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk” (risos) (E3-C28-30/11/20).

Há também a deslegitimação do posicionamento político da candidata: “mas essa socialista de quinta categoria não estava empatada de acordo com as pesquisas?” (E3-C18-29/11/20). Além da citação de expressões comuns presentes em discussões ideológicas no campo político, por exemplo, “Vai para Cuba.” (E3-C7-29/11/20). Os leitores também utilizam o tema do comunismo para remeter à matéria: “Perdeu porque é comunista!” (E3-C13-29/11/20), em tom de confronto ao que é noticiado.

Outro aspecto é a evocação da frase “Tchau querida”, o termo surgiu após a divulgação dos grampos telefônicos de conversas entre Lula e Dilma. Na ocasião, ao finalizar a conversa, Lula se despediu de Dilma com um “Tchau, querida”, a expressão viralizou como meme em função da votação do processo de impeachment da presidente por parte do Senado e se fez presente nas manifestações de rua contrárias ao governo Dilma. A frase é colocada em circulação pelos comentadores após o resultado da eleição, em referência à derrota da candidata Manuela d’Ávila: “Tchau Querida !! Passe Bem !! Bem longe kkkk. Já foi tarde, parabéns POA (Porto Alegre) (E3-C5-29/11/20).

O último episódio tem relação com a quarta matéria, que foi publicada no dia da votação (29 de novembro) e intitulada: “Pela 3ª vez, Manuela d’Ávila perde, em campanha minada por fake news”. A matéria somou 213 comentários, o maior número de interações entre elas. O texto noticia a derrota da candidata, além de fazer um breve panorama sobre os principais acontecimentos ocorridos durante a campanha.

Por conta da maior quantidade de comentários nesse episódio comunicacional, a análise contou com o auxílio do software livre de análise lexicométrica Iramuteq para que fosse possível um olhar mais profundo para os sentidos que emergem em tal episódio. O intuito é buscar compreender a circulação de sentidos por meio de nuvens de palavras geradas pelo software a partir da definição de classes gramaticais específicas, levando em consideração o que é proposto por Romero e Borelli (2021). Essa experimentação pode ser promissora principalmente quando aliada ao movimento de retorno aos textos, após os resultados gerados pelo Iramuteq. Ou seja, contamos com o auxílio do software para encontrar indícios e assim fazer inferências sobre os sentidos construídos pelos leitores.

O corpus textual de análise referente a essa matéria foi de 213 textos[2]. Dentro dele, identificou-se 4.096 ocorrências (número de palavras), sendo 975 palavras diferentes e 581 palavras com frequência igual a um. A média de ocorrência por texto é de 19.23. Em relação às palavras, 81,63 são ativas e 18,37 são suplementares. Quanto à definição das classes gramaticais, optamos apenas pelas classes: adjetivos, substantivos, substantivos complementares, verbos, verbos complementares e formas não reconhecidas. Essa definição é importante para o objetivo da pesquisa que é o de identificar os principais sentidos que circulam. Ao definir determinadas classes gramaticais, evidenciamos as palavras com sentido completo para a análise.

Foram gerados dois gráficos, a figura 2 é composta por todas as classes gramaticais já citadas e na figura 3 selecionamos apenas os vocábulos ativos. Nossa análise, ocorre a partir do segundo gráfico, já que a definição desses parâmetros é relevante para que se possa trabalhar com o conteúdo mais importante do corpus (Camargo e Justo, 2018). A partir da nuvem, percebemos que as dez palavras com maiores incidências são as seguintes: “fake_news” (2,32%); “risos_k” (1,43%); “perder” (1,34%); “esquerdo” (1,25%); “pesquisa” (1,20%); “manuela” (1,07%); “mesmo” (1,03%); “comunista” (0,94%); “pt” (0,94%); “errar” (0,89%).



Figura 2

Nuvem de palavras ativas e suplementares



Figura 3

Nuvem de palavras ativas

É possível inferir uma centralidade do conceito de “fake news” e, ao fazer o retorno aos textos, percebemos que é usado como forma de relativização da violência política de gênero sofrida pela candidata, na qual a desinformação foi uma das formas de violência que prevaleceu. Por exemplo: “Quando é contra a direita é opinião; liberdade de expressão etc, já quando é contra a esquerda é fake news, graças a Deus essa maldita perdeu, o povo de Porto Alegre não merece uma tragédia como essa.” (E4-C9-29/11/20).

As outras palavras em destaque como “perder”, “esquerda” e “pesquisa”, também são acompanhadas dos sentidos acerca do termo “fake news”, tema explorado pela matéria. Em relação à palavra “esquerda” e “perder” emergem sentidos com relação à Manuela d’Ávila ter perdido por ser de esquerda, como em: “De novo esse mi mi mi? Perdeu como vice de Haddad em 2018 e agora a culpa é sempre das fake news? Será que não é a ideologia de vida dela?” (E4-C58-29/11/20). O termo também está ligado à ocorrência da palavra “comunista”: “Não foram fake news que derrotaram Manuela. Foi uma REAL NEW = ela é comunista”, (E4-C126-29/11/20).

Percebemos que a palavra “comunista”, aparece neste último episódio também como forma de menosprezar a posição e atuação política da candidata, associando o comunismo a sua derrota e vida pessoal. Para citar um exemplo: “A própria Manuela é um fake news. Como pode ser comunista sendo filha de desembargadora e de um engenheiro e professor de engenharia? Pode ser comunista uma pessoa que gosta de passar as férias na Disney? Como pode ser comunista alguém que não trabalha?” (E4-C3-29/11/20).

Outro ponto a ser levantado é sobre como o espaço de comentários torna-se fértil para a construção e disseminação de boatos, como a possível “fraude” nas pesquisas eleitorais. É nesse contexto que a palavra “pesquisa” é empregada em grande parte das vezes em que é utilizada, como: “Nas pesquisas furadas do Datafolha a Manuela ganharia no segundo turno de lavada, acho que inverteram os votos. [...]” (E4-C128-29/11/20).

Outro aspecto que notamos ao retornar aos textos foi a banalização dos debates sobre as questões de gênero aliadas à política, em que muitos desconsideram que ser mulher gera mais obstáculos para uma candidatura. Mais do que isso, desaprovam que questões como essa sejam levantadas nesses espaços e por instituições como o jornalismo: “Estudo, conhecimento, dedicação, competência, responsabilidade, trabalho, resultado, eficiência, produtividade, eficácia que eu saiba não possui cor ou sexo... infelizmente e lamentavelmente ainda tem quem ganha a vida com conversa mole e manipulação de rebanho tipo mulher, negro, racismo e diversidade, [...]” (E4-C183-30/11/20).

Nesse episódio, ocorre a manifestação de leitores que buscam argumentar em defesa de Manuela e demonstram preocupação com as notícias falsas: “As notícias falsas destruíram a reputação de Manuela. É revoltante ver essas quadrilhas decidirem o futuro do país com mentiras.” (E4-C114-29/11/2020). Além de fazerem comparações com momentos recentes da política brasileira: “Não me surpreendo, o presidente foi eleito assim, na base da mentira. Que me não tem competências inventa mentiras e os bobos acreditam e terminam votando, simples assim. Força MANUELA” (E4-C55-29/11/2020).

Após exposição inicial dos episódios comunicacionais, realizamos inferências transversais (Braga, 2017). Previamente, o intuito foi compreender os movimentos ocorridos na singularidade de cada episódio, para que assim pudéssemos chegar a questões que nos ajudassem a realizar inferências sobre a dimensão da circulação. Para sistematizar, identificamos eixos de transversalidades que estão presentes nos quatro episódios analisados, são eles: (a) ataques à Manuela d’Ávila; (b) posição do UOL; (c) outros fluxos para além da notícia; (d) elogios à Manuela d’Ávila.

4. Eixos de Transversalidades

4.1 Ataques à Manuela d’Ávila

Identificamos que a questão da violência destinada a Manuela e noticiada pelas matérias do UOL, estende-se para os comentários de cada uma delas. De acordo com Albaine (2015), a partir da discussão sobre desafios para paridade política de gênero na América Latina, a violência política contra as mulheres é um dos grandes obstáculos para o aumento da participação feminina nesses espaços.

Como observado no panorama dos episódios comunicacionais, os leitores dirigem-se até este local de interação para repercutir o debate levantado pelo produto jornalístico. É possível notar uma disputa de sentidos tanto entre os leitores, quanto entre os leitores e o portal de notícias UOL, o que evidencia o fluxo adiante na circulação, de acordo com Braga (2017). A exemplo disso, podemos citar o tema das notícias falsas, o tipo de ataque que marcou a campanha da candidata Manuela d’Ávila e que foi abordado em todas as matérias que compõem o corpus de análise. Mesmo que de forma mais intensa no último episódio, a circulação de sentidos em torno do termo “fake news” foi algo presente também nos comentários das demais reportagens. Podemos inferir que o termo emerge de forma proeminente justamente por se tratar do assunto da matéria jornalística, além disso, aponta que existem sentidos que atravessam distintos episódios comunicacionais.

Consideramos que o tema das fake news perpassa diferentes episódios, principalmente no que diz respeito aos ataques expressados contra Manuela. Além do mais, desdobra-se em outros tópicos e serve como elemento para novas ofensas, como as declarações sobre sua aparência e vida pessoal reveladas no segundo episódio, em que o usuário utiliza informações da privacidade de Manuela para justificar a violência contra ela. Vemos uma disputa de sentidos em relação às fake news existirem ou não e, ainda, serem capazes de afetar ou não a campanha da candidata. Novamente, os participantes acionam elementos já compartilhados — material fornecido pelo produto jornalístico — como base para produção e tensionamento de novos sentidos (Braga, 2017).

No terceiro episódio, também temos o registro de ataques destinados à sua ideologia, a qual é utilizada como argumento para torná-la suscetível às agressões. Além disso, o conteúdo publicado também remete a uma invalidação das suas posições e, consequentemente, das suas competências como figura política. Os sentidos que se destacam nos comentários esbarram na violência, bem como o que é noticiado pela matéria. Neste mesmo episódio, também apontamos a expressão do bordão “Tchau querida” manifestado após Manuela perder a eleição. Em 2016, a frase foi empregada popularmente por quem apoiava o impeachment de Dilma Rousseff. Conforme Gomes (2018), no contexto do que a autora concebe como golpe contra a presidente, tal frase é enquadrada em um tom crítico que “mistura o desprezo ao lugar do feminino e a afirmação de que o Executivo não é um espaço para as mulheres” (Gomes, 2018, p. 156). Percebemos o fluxo adiante na circulação (Braga, 2017), em que os leitores se valem dos seus repertórios construídos nas relações sociais para repercutirem sentidos.

4.2 Posição do UOL

O levantamento de questões relativas à atuação do meio de comunicação também é um sentido que circula na totalidade dos episódios. Identificamos que a crítica ao trabalho do UOL permeia os discursos dos leitores de forma diferente a cada episódio. O que reforça a importância de olharmos para as características particulares de cada um deles para posteriormente podermos realizar constatações mais amplas sobre o tema. Ainda, é a partir desse movimento que podemos identificar padrões estabelecidos no processo de circulação.

Observamos que são levantados questionamentos quanto à confiabilidade do que está sendo noticiado, como no segundo episódio em que o leitor se dirige ao UOL solicitando que apresente provas sobre a existência de notícias falsas, tema da matéria jornalística. Também emergem indagações no que se refere ao posicionamento político do meio de comunicação, como explicitado no terceiro episódio, em que o acusam de ser um “jornal ativista de esquerda” e, ainda, demonstram insatisfação com a cobertura supostamente parcial dos fatos.

Novamente avistamos o fluxo que se dá entre o conteúdo das reportagens e o discurso dos leitores. Marcas como essas evidenciam a disputa de sentido que ocorre no espaço de interação, além da complexidade das relações que são construídas no processo de circulação. Os participantes são capazes de incluir suas respostas no espaço social em questão, fazendo seguir adiante as reações que recebem, através de processos difusos e sempre em fluxo adiante, conforme proposto por Braga (2017).

4.3 Fluxos Para Além da Notícia

Para além dos sentidos em torno dos assuntos que são noticiados pelo portal UOL, percebemos a existência de outros fluxos comunicacionais, os quais surgem a partir de ordens diversas advindas da sociedade. Considerando o processo de midiatização, apontamos para a existência de uma interpenetração de discursividades, tanto as que ocorrem pelas práticas sociais, quanto aquelas relacionadas especificamente às lógicas e dinâmicas da internet (Neto, 2018, p. 21). O ambiente de interação propiciado pelo portal de notícias, a partir de suas regras particulares de funcionamento, também é afetado por essa dinâmica e permite novas condições de produção de sentido.

Dos sentidos identificados para além do dito pelo veículo jornalístico, destacamos as dúvidas sobre a validade das pesquisas feitas durante o período eleitoral de 2020, como observado no terceiro e quarto episódio. Novamente percebemos o fluxo adiante na comunicação (Braga, 2017), o qual não se concentra em apenas um episódio comunicacional, mas se atravessa entre os ditos. Dessa forma, compreende-se a reportagem como um importante ponto nodal da circulação para a construção de sentidos, não como o ponto de partida ou de chegada, uma vez que, em circulação, acionam-se elementos de outros episódios comunicacionais.

Podemos afirmar que os próprios produtos (as matérias) foram elaborados a partir de outros processos comunicacionais, como a campanha eleitoral, os ataques nas redes sociais e o debate acerca da violência política de gênero. Ou seja, conteúdos de outros espaços são dispostos para construção de novos sentidos. A matéria realimenta o fluxo comunicacional que se dá a partir de diversos episódios distintos. Segundo Braga (2017, p. 50) “a rigor, não é ‘o produto’ que circula — mas encontra um sistema de circulação no qual se viabiliza e ao qual alimenta”.

A ocorrência de uma atividade interpenetrante entre a internet e a organização social (Neto, 2018) também pode ser notada a partir do crescimento do número de comentários de acordo com a publicação das matérias, sendo que a primeira registrou 9 comentários, a segunda 23, a terceira 32 e quarta 213. Essa percepção dá indícios sobre como as questões de gênero na política e suas afetações na sociedade refletem nesse espaço de interação. Com o andamento da campanha eleitoral e os acontecimentos envolvendo a candidata Manuela d’Ávila, provocou-se também uma maior elaboração de sentidos por parte dos atores sociais compreendidos no processo.

Segundo Fausto Neto (2018), é nesta ambiência midiatizada que se complexificam as condições de produção e circulação dos discursos e sentidos. Essa característica pode ser observada na singularidade de diversos outros comentários publicados pelos leitores, já que eles utilizam o seu repertório para construírem argumentos. Isso ocorre quando comentários recorrem a acontecimentos sobre o passado da candidata, como no quarto episódio em que o leitor lembra de fatos envolvendo Manuela em outra eleição para justificar a derrota dela na atual disputa. Temos também o fluxo adiante na circulação (Braga, 2017), em que os leitores não apenas recebem o que é apresentado pela matéria, mas agem para criação de novos sentidos. No entanto, buscamos ilustrar este bloco com a discussão gerada em torno do tema sobre a validade das pesquisas eleitorais, a fim de apresentarmos um exemplo de como o contexto social deve ser compreendido para que se identifique os sentidos que operam no episódio.

4.4 Apoio à Manuela d’Ávila

Manifestações que buscam elogiar ou demonstrar apoio à candidata Manuela d’Ávila também foram registradas em mais de um episódio comunicacional. Ainda que seja um sentido com menor ocorrência no conjunto do que analisamos, tendo em vista que prevalecem discursos que se opõem a atuação da candidata, é relevante destacar a ocorrência desses elogios, pois representam uma virada na disputa de sentidos no contexto de polarização que vivemos (Braga, 2020).

No segundo episódio, observamos que enquanto um dos participantes ataca a candidata chamando-a de “defensora de coisas podres”, outros dois o questionam. Neste caso, temos também fluxos adiante na circulação (Braga, 2017) em que os participantes respondem uns aos outros. No quarto episódio, também há sentidos em apoio a Manuela postos em circulação quando os participantes expressam preocupação com o aumento de notícias falsas nas eleições e suas consequências. Como argumento, um dos participantes cita a eleição anterior e afirma “o presidente foi eleito assim”. Por fim, este mesmo participante deseja força à candidata Manuela d’Ávila.

Isso evidencia a disputa por sentidos no episódio comunicacional em relação aos impactos das notícias falsas para a candidata durante a campanha eleitoral. Além disso, a construção de sentidos em torno do apoio à Manuela, vai ao encontro do que é noticiado pelo portal UOL, o que representa uma alteração na forma como os sentidos vinham sendo construídos pelos outros participantes.

5. Considerações Finais

Propusemo-nos a analisar a circulação de sentidos sobre reportagens relacionadas à violência política de gênero envolvendo a candidata Manuela d’Ávila, durante o segundo turno das eleições municipais de Porto Alegre, em 2020. Consideramos que a investigação contribui para o avanço nas discussões sobre a integração metodológica, em que contamos com uso da ferramenta Iramuteq aliado à análise qualitativa dos dados gerados.

Após panorama inicial, com os principais sentidos percebidos e indícios apontados pelo uso do software, definimos eixos de transversalidades entre os episódios: (a) Ataques à Manuela d’Ávila, em que os leitores utilizam o tema noticiado na matéria e recorrem a questões como aparência e personalidade para proferir ataques à candidata; (b) posição do UOL, quando são levantados questionamentos sobre a imparcialidade do veículo e expressadas críticas sobre a cobertura realizada; (c) fluxos para além da notícia, momentos em que os leitores ultrapassam os pontos colocados em circulação pelo veículo jornalístico, trazendo temas como as pesquisas eleitorais veiculadas naquele período, para interagir na página do site e construir argumentos contra a candidata; (d) apoio à Manuela d’Ávila, quando há manifestação de apoio e compreensão sobre os ataques sofridos pela candidata.

A exploração desses sentidos transversais emergentes busca destacar pontos que aproximam os episódios e mostram-se como características comuns identificadas em diferentes momentos. Além disso, evidenciam o fluxo adiante na circulação (Braga, 2017) e a disputa por sentidos existente na relação entre produtor e receptor diante da sociedade midiatizada e das mudanças nas lógicas de circulação propiciadas pelas tecnologias (Neto, 2018).

Com relação a nossa questão inicial sobre os sentidos construídos pelos leitores em torno do tema da violência política de gênero, encontramos indícios de que mesmo com o avanço em termos de políticas públicas que visam a paridade de gênero e diante do aumento de candidaturas e vitórias de mulheres, ainda há desafios a serem superados para a participação efetiva das mulheres no campo político. Nossa análise mostra que os leitores, muitas vezes, invalidam a violência sofrida pela candidata por não concordarem com suas posições, impedindo que o debate da violência política avance na sociedade.

Também traçamos pistas para futuras investigações em torno do tema, nas quais consideramos relevante uma observação a longo prazo sobre a cobertura jornalística das eleições municipais de 2020, a partir das perspectivas dadas por diferentes veículos de comunicação sobre a questão da violência política de gênero.

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Notas

[1] Para a coleta das matérias foram feitas pesquisas pelas seguintes palavras-chave no site de buscas Google: “Manuela d’Ávila debate”, “Manuela d’Ávila ataque”, “debate eleições 2020 Porto Alegre”. Também realizamos buscas utilizando a ferramenta de pesquisa personalizada do Google, a qual permite indicar um intervalo de tempo específico em que as matérias foram publicadas.
[2] Os 213 comentários do episódio foram coletados manualmente e, posteriormente, passaram por uma limpeza em que eliminamos nomes próprios, data e hora. Também optamos por uniformizar palavras que apareciam de formas distintas, mas que remetiam ao mesmo significado, como “Manuela” e “Porto Alegre”, além de definir um padrão para todas as variações que remetiam ao riso, apresentando-as como “risos_k”.

Autor notes

Caroline de Souza é Graduanda de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria. Durante os anos de 2020 e 2021, foi bolsista de Iniciação Científica Pibic Cnpq no projeto “A circulação discursiva no contexto de midiatização da sociedade”, do grupo de pesquisa Circulação Midiática e Estratégias Comunicacionais. Desenvolveu o trabalho acerca da circulação de sentidos relacionados a violência política de gênero nas eleições municipais de 2020 no Brasil.
Diosana Frigo é Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria; Mestra em Comunicação Midiática pelo mesmo Programa. Também é formada em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo e em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Santa Maria. Possui bolsa de estudos fornecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Luan Romero é Mestre e doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Integrante do Grupo de Pesquisa Circulação Midiática e Estratégias Comunicacionais. As pesquisas desenvolvidas tem como temas a circulação de sentidos e jornalismo guiado por dados.
Viviane Borelli é Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, realizou estágio Pós-Doutoral na Universidade Nova de Lisboa em 2016 com Bolsa Capes. Jornalista (1999) e Mestre pela Universidade Federal de Santa Maria (2002). Líder do grupo de pesquisa do CNPq “Circulação midiática e estratégias comunicacionais”, e coordenadora do projeto de pesquisa “A circulação discursiva no contexto de midiatização da sociedade”.


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