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A Investigação Sobre o Discurso de Ódio no Campo da Comunicação: Uma Revisão Sistemática da Literatura
Investigating Hate Speech in Communication: A Systematic Literature Review
Investigación Sobre el Discurso del Odio en el Ámbito de la Comunicación: Una Revisión Sistemática de la Literatura
Revista Comunicando, vol. 12, núm. 1, e023006, 2023
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação

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Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 12, núm. 1, e023006, 2023

Recepção: 26 Janeiro 2023

Aprovação: 27 Março 2023

Publicado: 12 Abril 2023

Resumo: As revisões sistemáticas de literatura, embora tenham surgido no campo da saúde, constituem um grande apoio a investigadores de outras áreas, uma vez que o seu grande objetivo passa por entender o trabalho feito em torno de um determinado tema e conhecer os principais autores e as diferentes perspetivas adotadas. Para este trabalho, a técnica foi aplicada à base de dados Communication Abstracts, de forma a mapear a investigação relativa ao discurso de ódio: qual o foco dos trabalhos, quais os grupos mais estudados e quais as perspetivas e metodologias mais recorrentes. Após a análise a um universo de 85 artigos, foi possível concluir que, desde os anos 90, existe um grande interesse pela vertente legislativa e de regulação, que tem sido complementado, nos últimos anos, com um alargar ao campo do tipo de conteúdo presente no discurso de ódio.

Palavras-chave: Discurso de Ódio, Ciberódio, Revisão Sistemática da Literatura.

Abstract: Although systematic literature reviews have emerged in the health field, they are a great support for researchers in other areas, since their main goal is to understand the work on a given topic and to identify the main authors and the different perspectives adopted. For this work, the technique was applied to the Communication Abstracts database, to map the research on hate speech: what are the most analyzed topics, which groups are the most studied and which are the most main perspectives and methodologies used. After analyzing a total of 85 articles, it was possible to conclude that, since the 1990s, there has been a great interest in the legislative and regulatory aspects, which has been complemented, in the last few years, with a widening in the field of the type of content present in hate speech.

Keywords: Hate Speech, Cyber-hate, Systematic Literature Review.

Resumen: Aunque las revisiones sistemáticas de la literatura surgieron en el ámbito de la salud, son un gran apoyo para los investigadores de otras áreas, ya que su principal objetivo es conocer los trabajos sobre un tema determinado e identificar a los principales autores y las diferentes perspectivas adoptadas. Para este trabajo, la técnica se aplicó a la base de datos Communication Abstracts, con el fin de mapear la investigación sobre el discurso del odio: cuál es el enfoque de los trabajos, qué grupos son los más estudiados y cuáles son las perspectivas y metodologías más recurrentes. Tras analizar un total de 85 artículos, se ha podido concluir que, desde la década de los 90, existe un gran interés por los aspectos legislativos y normativos, que se ha complementado, en los últimos años, con una ampliación en el ámbito del tipo de contenidos presentes en el discurso del odio.

Palabras clave: Discurso del Odio, Ciberodio, Revisión Bibliográfica Sistemática.

1. Introdução

No seu ensaio Reflections on Writing, publicado na coletânea The Wisdom of the Heart (1966), o escritor Henry Miller afirma que “escrever, tal como a própria vida, é uma viagem de descoberta” (p. 19). Já William Kennedy escreveu, num artigo para o New York Times, sobre a importância de “ler todos os cânones da literatura que nos precedem, desde os gregos até número mais recente do The Paris Review” (Kennedy, 1990, p.1). Embora ambas as citações tenham surgido enquadradas no campo da Escrita e da Literatura, a verdade é que podem ser transpostas para as Ciências Sociais e servirem de mote à elaboração de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL).

O início de um trabalho académico sobre um determinado tema requer uma “viagem de descoberta”, como salientou Henry Miller, sobre o que já foi feito e o que falta explorar, de forma a garantir a relevância do trabalho, isto é, evitar a reinvestigação do que já foi investigado (Baker, 2000). Por outro lado, conhecer os “cânones da literatura”, referidos por William Kennedy, permite mapear o conhecimento, perceber as perspetivas mais relevantes e descobrir quais os autores que, ao longo dos tempos, foram dando forma ao tema que se pretende explorar.

A presente RSL, inspirada por estas duas perspetivas, foi desenvolvida a partir da base de dados Communication Abstracts e tem como objetivo compreender a investigação em torno do discurso de ódio desde 1990, ano em que foi publicado o primeiro artigo do corpus analisado. Em particular, este trabalho procura entender o que já foi estudado e descobrir novos caminhos para a investigação desta problemática.

2. A Importância da Revisão Sistemática de Literatura e as suas Limitações

Desenvolvida, inicialmente, no campo da Medicina, com a publicação do Evidence-based Medicine Working Group, em 1992, na revista académica especializada Journal of the American Medical Association (JAMA) (Boell & Cecez-Kecmanovic, 2015), a Revisão Sistemática de Literatura (RSL) surgiu com o objetivo primordial de agregar trabalhos que constituíssem sustentação teórica e prática sobre determinados procedimentos ou técnicas médicas. Com o decorrer do tempo, esta técnica transferiu-se para outras áreas de investigação com o intuito de obter uma visão panorâmica do trabalho feito num determinado campo (Fillol & Pereira, 2020).

Baker (2000) entende o propósito de uma RSL como sendo o de “demonstrar que alguém está familiarizado com o que já se sabe sobre um determinado assunto” (p. 222) e Kitchenham (2004) completa a ideia definindo a técnica como “um meio de identificar, avaliar e interpretar toda a pesquisa disponível e relevante para uma determinada pergunta de partida, tópico ou fenómeno de interesse” (p. 1). Já para Petticrew e Roberts (2006), a RSL constitui um método para dar resposta às perguntas específicas sobre um tema.

Apesar de os académicos estarem, de uma forma geral, em concordância com o principal intuito de uma RSL, existem algumas vozes que atentam não só nas vantagens, mas também nas limitações que esta técnica de pesquisa acarreta. Ainda que as linhas orientadoras assinalem a “objetividade” e a “replicabilidade” como os grandes pilares da RSL, em especial, devido à transparência de todo o processo — informação clara sobre a estratégia de pesquisa, os diferentes passos que a constituem e a sistematização dos resultados (Petticrew & Roberts, 2006) — muitos investigadores colocam em causa essa mesma transparência. Algumas perspetivas encaram a transparência como um parâmetro técnico (Oancea & Pring, 2008) e defendem que os resultados obtidos, por muito claro e explícito que seja o processo, estarão sempre dependentes da subjetividade inerente à tomada de decisões que o constituem (Sandelowski, 2008). É o caso de aspetos como a escolha das bases de dados ou dos critérios de inclusão e exclusão de artigos, que são inerentes à produção de uma RSL.

Fillol e Pereira (2020) recorrem ao trabalho de Best et al. (2014) e Campbell et al. (2018) para realçar a exigência, cada vez maior, do processo de RSL, fruto das facilidades permitidas pelas tecnologias de informação e comunicação. Carver et. al. (2013), relembram ainda que esta técnica é bastante usada por investigadores com menos experiência, como estudantes de doutoramento, e para quem “a RSL pode ser especialmente difícil” (p. 203), o que reforça a necessidade de avaliar a qualidade deste tipo de investigação.

3. Motivação para a Elaboração da Presente RSL

O interesse académico pela temática do discurso de ódio tem crescido ao longo dos últimos anos, em especial, perante o crescimento das redes sociais digitais (Gelber & McNamara, 2016; Judge & Nel, 2018; Kalsnes & Ihlebæk, 2020; Ullmann & Tomalin, 2019). Por esta razão, é crucial mapear o trabalho que tem sido feito, com o intuito de entender os principais campos de atuação e analisar as diferentes abordagens consideradas e metodologias utilizadas.

Na preparação desta RSL foi encontrado apenas um trabalho semelhante, da autoria de Paz et al. (2020). No artigo Hate Speech: a Systematized Review, os autores procedem a uma revisão sistemática direcionada para trabalhos no âmbito da Comunicação e do Direito, indexados na base de dados Web of Science. Seguindo a metodologia proposta por Grant e Booth (2009), os investigadores admitem a existência de uma grande “interdisciplinaridade e transversalidade” entre os trabalhos analisados e sublinham a importância de “considerar todo o espectro do discurso de ódio (racismo, xenofobia ou homofobia), como forma de compreender as múltiplas expressões do ódio” (Paz et al., 2020, p. 3).

A presente RSL, ainda que exploratória, procura entender como tem sido trabalhado o campo do discurso de ódio, não só a nível do que já foi feito, como do que precisa ser aprofundado, sem especificar os respetivos espectros e possíveis variantes, sendo este, portanto, o primeiro ponto de diferenciação para o trabalho anterior. Acredita-se que, ao realizar uma RSL tendo por base o conceito único de discurso de ódio, sem enveredar por comportamentos mais específicos do seu espectro, como racismo ou homofobia (à semelhança de Paz et al.), evitam-se alguns vieses autorais para os quais Petticrew & Roberts (2006) alertam.

Outros dois pontos diferenciadores remetem para as perspetivas de investigação e o foco de análise dado pelos investigadores. Especificando de forma breve, uma vez que estes aspetos serão abordados no decurso do trabalho, a questão das perspetivas diz respeito ao âmbito em que o artigo se insere (por exemplo, no âmbito jurídico, da moderação ou da cobertura mediática). Já o foco de análise pretende averiguar se se trata de um estudo sobre as vítimas ou os autores do discurso de ódio, por exemplo.

Por último, este trabalho não descura uma análise às principais palavras-chave associadas aos artigos recolhidos, por considerar ser uma oportunidade para descobrir novas temáticas e abordagens associadas ao discurso de ódio.

Importa sublinhar que o objetivo desta RSL não é alcançar uma definição do conceito, mas sim mapear o trabalho académico feito em torno desta área de investigação.

4. Metodologia

4.1. Escolha de Base de Dados

Uma RSL “deve ser feita de acordo com uma estratégia de pesquisa pré-definida” (Kitchenham, 2004, p. 2). São várias as abordagens metodológicas propostas para uma revisão sistemática (Boell & Cecez-Kecmanovic, 2015; Grant & Booth, 2009; Kitchenham, 2004), contudo, este trabalho segue o método de Petticrew e Roberts (2006), tendo como inspiração a adaptação de Fillol e Pereira (2020).

Adotando o conceito de “revisão rápida” (Petticrew & Roberts, 2006), que estabelece a possibilidade de uma RSL conter algum tipo de restrição (seja a um período de tempo, a um grupo demográfico, a um país, entre outros) e ainda assim, mapear o conceito ou o trabalho no campo de investigação pretendido, o exercício restringe-se à base de dados referencial Communication Abstracts, direcionada para estudos na área da Comunicação.

Atualmente gerida pela EBSCO, a Communication Abstracts contém títulos, resumos e palavras-chave de artigos presentes em cerca de 240 revistas académicas indexadas e mais de 370 mil registos nas áreas dos media e comunicação de massas, pelo que se considerou esta base de dados, e respetivos materiais, como uma fonte credível e suficientemente abrangente para concretizar a RSL proposta.

4.2. Perguntas de Pesquisa

Seguindo a orientação de Boell e Cecez-Kecmanovic (2015), foi formulada uma pergunta de pesquisa fechada e passível de ser respondida que, de seguida, foi dividida em diversas questões secundárias.

  1. · Como tem sido trabalhada a temática do discurso de ódio?

    o Em que contextos/ambientes tem sido estudada?

    o Quais os grupos que têm sido estudados?

    o Quais as abordagens metodológicas utilizadas?

    o Quais os países mais estudados?

    o Quais as principais palavras-chave associadas a esta temática?

    o Quais as revistas com maior número de publicação sobre este tema?

    o Quem são os principais autores?

    o Como tem evoluído o volume de artigos publicados ao longo dos anos?

4.3. Fórmula de pesquisa

Para a fórmula de pesquisa, feita a 30 de novembro de 2020, foi definido apenas um único conceito — o de hate speech — não se tendo optado pelo uso de operadores booleanos (“AND” e “OR”), de forma a não restringir ou alargar demasiado os resultados obtidos. Esta decisão foi tomada após alguns testes com diversos conceitos secundários, como social media, que restringia demasiado o universo de artigos, ou cyberbullying, que trazia resultados de um conceito totalmente diferente, ainda que relacionado em determinados aspetos[1].

Escolhido o conceito, a pesquisa foi aplicada ao campo AB Abstract or Author-Supllied Abstract, restringida a revistas científicas com revisão por pares e considerados apenas academic journals relativamente ao tipo de publicação. Por último, foram procurados artigos em português, inglês, francês e espanhol, não tendo sido aplicado qualquer filtro temporal. No total, a pesquisa retornou 139 resultados.

4.4. Processo de inclusão e exclusão de artigos

Após a pesquisa inicial, o passo seguinte passou pela definição dos critérios de inclusão e exclusão de artigos, no sentido de selecionar aqueles considerados mais relevantes para a presente RSL. Sendo o intuito deste trabalho um mapeamento do que tem sido estudado sobre o discurso de ódio na área da comunicação, e conjugando este objetivo com o conselho de Petersen e Ali (2011) de definir critérios claros para o protocolo, estabeleceram-se os seguintes parâmetros:

  1. · Critérios de inclusão:

    o Artigos académicos, sejam eles empíricos ou não-empíricos, cujo objetivo principal seja o discurso de ódio, independentemente do foco da investigação.

    · Critérios de exclusão:

    o Artigos cujo objetivo principal não seja o discurso de ódio, ainda que seja referenciado (é o caso de artigos que abordem, de uma forma geral, os desafios do contacto com os media, desde as fake news ao discurso de ódio, por exemplo).

    o Material que não seja considerado um artigo académico (artigos de opinião, editoriais ou entrevistas).

    o Artigos de cariz jurídico sobre casos reais levados a tribunal, uma vez que se enquadram na área do Direito. Exceção para artigos que façam uma reflexão sobre a legislação existente para o combate ao discurso de ódio.

    o Artigos repetidos (por exemplo, publicações em revistas diferentes ou submetidas por diferentes autores) ou versões traduzidas.

    o Artigos não encontrados ou cujo autor não devolveu o contacto a solicitar o esclarecimento de dúvidas existentes.

Definidos os critérios de inclusão e exclusão, procedeu-se a uma leitura dos resumos para efetuar a filtragem de resultados, o que permitiu reduzir a amostra de 139 artigos para 85 (tabela 1).

Importa salientar que este processo implicou a leitura integral de alguns artigos, nomeadamente, quando a informação do resumo estava incompleta ou não era totalmente esclarecedora, sendo em alguns casos necessário contactar o(s) autor(es) para solicitar o envio do artigo ou o esclarecimento de dúvidas relativamente à metodologia usada, ou ao grupo abordado no trabalho, por exemplo.

Tabela 1
Classificação da amostra de artigos

Terminada a filtragem, foram definidos quatro grandes critérios de análise aos trabalhos da amostra final: grupos, natureza do artigo, abordagem metodológica e foco (tabela 2). A estruturação destas quatro categorias resultou da leitura do material recolhido, tendo sido ajustada ao longo do processo e à medida que surgiam novos critérios de análise.

Tabela 2
Definição dos critérios de análise

5. Discussão de resultados

5.1. Caracterização da amostra: distribuição geográfica, principais revistas, análise temporal

A análise de resultados inicia-se com uma caracterização da amostra de artigos reunidos relativamente ao país contextualizado no estudo, ranking das revistas com maior número de publicações, identificação dos principais autores e número de artigos ao longo dos anos.

5.1.1 Distribuição geográfica dos países estudados

Em termos geográficos, apesar de a análise ter sido conduzida por país, optou-se pela apresentação dos dados por continente por questões de legibilidade do gráfico. Importa referir que, das 85 referências analisadas[2], 18 foram classificadas como não disponível, por corresponderem a artigos que não retratavam um país em concreto, como nos casos de reflexões teóricas sobre o discurso de ódio, ou propostas académicas para novos conceitos, por exemplo. Por outro lado, salienta-se que quatro dos artigos apresentam resultados para mais do que um país, por se tratarem de estudos internacionais ou multiculturais.

A análise (figura 1) permitiu concluir que 41% (38) das referências apresentam a realidade do continente Americano, das quais 89% são relativas apenas aos Estados Unidos, onde os principais temas dos trabalhos incluem, entre outros, combate ao discurso de ódio, liberdade de expressão, Primeira Emenda e regulação do discurso de ódio. São temas que, embora cruciais, não surpreendem dada a dicotomia existente entre a doutrina europeia, que detém uma grande preocupação pela questão do discurso de ódio e a sua regulação, mesmo que isso requeira algumas restrições ao discurso, e a doutrina norte-americana que adota uma perspetiva extremamente protecionista da liberdade de expressão (George, 2015; Silva et al., 2021).

A Europa é o segundo continente que reúne o maior número de artigos (24%, isto é, 22 artigos), devendo destacar-se o Reino Unido (27%) e a Roménia (14%). No caso do Reino Unido, as atenções dos investigadores recaem, essencialmente, no sentimento anti-islâmico e antimuçulmano que se intensificou no país após os atentados de Paris, em 2015, em particular, nas redes sociais digitais do grupo de extrema-direita English Defense League, e no Twitter após o referendo para a saída da União Europeia (Brexit), em 2016. Na Roménia, os artigos centram-se quase todos no discurso de ódio contra a comunidade romanichel.

Com uma expressão mais reduzida surgem África (8%, com sete artigos), Ásia (4%, com quatro artigos) e Oceania (3%, com três artigos) onde, de uma maneira geral, é possível assinalar o estudo do discurso de ódio em contexto político e de campanha eleitoral.


Figura 1
Distribuição geográfica dos artigos por continente

5.1.2 Distribuição dos artigos por revista académica

O local de publicação constitui um outro elemento de caracterização do corpus de análise. Por se ter registado um número elevado de revistas, são destacadas apenas as quatro com maior volume de artigos publicados (cinco artigos ou mais) que, em conjunto, reúnem 29% do total dos artigos analisados (tabela 3).

Tabela 3
Ranking de publicações com maior número de artigos publicados

A International Journal of Communication, uma revista norte-americana da University of Southern California, fundada em 2007 e com frequência anual, reúne um total de oito artigos, três dos quais publicados em 2019, ano que contou com uma edição especial dedicada ao discurso extremo. Os restantes cinco artigos desta revista surgem, um por ano, entre 2015 e 2020. Trata-se de uma publicação em suporte online e de acesso livre com o principal foco em estudos no campo da Comunicação. Apresenta-se como uma plataforma destinada a académicos de diferentes áreas e especialidades e um fórum para troca de experiências, metodologias e exposição de trabalhos, não só de Comunicação, mas também de todas as suas áreas complementares.

A Information & Communications Technology Law trata-se de uma publicação trimestral britânica, da Taylor & Francis Online, com publicação iniciada em 1992, e ocupa o segundo lugar no ranking com um total de sete artigos. Desses, quatro foram publicados em 2009 e em 2018, anos marcados por publicou edições especiais dedicadas ao discurso e crime de ódio. Os restantes três artigos foram publicados em 2002 e 2015. Tendo como principais áreas as Ciências da Computação e das Leis da Comunicação, a revista tem como foco a abordagem de questões éticas, legais e sociais inerentes ao desenvolvimento tecnológico, em especial, à expansão da internet e dos media.

Em terceiro lugar surgem duas publicações, ambas com cinco artigos cada uma. A norte-americana Communication Law & Policy, da Taylor & Francis Online, especializada na área das Leis da Comunicação, é uma revista indexada e de frequência trimestral. Com a rápida mudança das diferentes dimensões no campo da Comunicação, sejam económicas, políticas ou relativas à liberdade de expressão, a revista incide sobretudo em pesquisas relacionadas com a Primeira Emenda, análises constitucionais e abordagens históricas às leis da área. Os cinco artigos publicados nesta revista distribuem-se entre 2000 e 2019, sendo todos de cariz jurídico ou de regulação. Destaque para os artigos de 2000, 2001 e 2019 que colocam a tónica em questões relacionadas com o discurso de ódio, a liberdade de expressão e a Primeira Emenda.

Também na terceira posição está a Howard Journal of Communications, uma revista britânica indexada, com publicação desde 1988 e com cinco edições em cada ano. O seu principal foco são artigos nas áreas de Estratégia & Gestão e Comunicação, sendo uma publicação aberta a trabalhos relacionados com representação étnica nos media, género e resistência cultural, entre outros. Apresenta-se como um espaço de discussão e troca de ideias não só para académicos, mas também para legisladores e decisores políticos. Os cinco artigos publicados nesta revista remontam todos à década de 1990, sendo que desses, quatro foram lançados em 1995 a propósito de uma secção especial dedicada ao discurso de ódio[3].

5.1.3. Análise aos principais autores dos artigos

Considerou-se igualmente importante uma análise aos autores dos artigos, no sentido de identificar possíveis referências no estudo do discurso de ódio. Dado que a esmagadora maioria dos investigadores surge apenas uma vez no corpus, para esta análise foram apenas considerados os cinco autores com dois artigos publicados (tabela 4).

Tabela 4
Lista dos autores com maior número de publicações

Embora a amostra não seja expressiva, é interessante verificar a diversidade geográfica e de género, já que, destes cinco autores constam duas mulheres e três homens, pertencentes a filiações académicas de quatro países distintos: dois autores dos Estados Unidos e os restantes divididos entre Finlândia, Austrália e Hong Kong. Nota-se que em todos os casos os autores assinaram, pelo menos, um dos artigos sozinhos, havendo ainda dois artigos assinados em coautoria com outros investigadores.

Um outro aspeto que importa salientar é a diversidade de países estudados já que, embora três dos autores tenham incluído apenas um país nos seus trabalhos empíricos, só um estudou o mesmo país da sua filiação académica. Ao todo, os cinco autores considerados nesta análise conduziram estudos em países dos cinco continentes, nomeadamente, Estados Unidos, Finlândia, Espanha, Hungria, Etiópia, Índia e Austrália.

O último exercício desta análise coloca a tónica na filiação e percurso académico dos autores. Ariadna Matamoros-Fernández, David Boromisza-Habashi e Cherian George são docentes em departamentos de Comunicação e todos trabalham o discurso de ódio sob diferentes perspetivas. Matamoros-Fernández, por exemplo, tem como principais áreas de interesse as redes sociais digitais, memes, métodos digitais e moderação de conteúdo, sendo que os seus trabalhos mais recentes abordam a questão dos limites e perigos do humor nas plataformas digitais, em particular no TikTok. Por outro lado, Boromisza-Habashi investiga a problemática pelas lentes da comunicação, da análise de discurso e da comunicação intercultural. Cherian George, que conta com vários livros publicados, entre eles, Hate Spin: The Manufacture of Religious Offence and its Threat to Democracy (2016), desenvolve o seu trabalho em torno da liberdade de expressão, intolerância religiosa, propaganda de ódio e liberdade e censura dos media.

Os restantes dois autores, embora provenientes de áreas relacionadas e complementares, não estão diretamente ligados à Comunicação. Matti Pohjonen é investigador na unidade Metodológica do Instituto de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade de Helsínquia e trabalha o uso de dados e inteligência artificial na moderação de conteúdos, desinformação e responsabilidade das plataformas digitais no que toca ao discurso de ódio. Laura Leets é professora na Escola de Artes e Ciências da Universidade de Georgetown e desenvolve a sua pesquisa em torno das perceções do discurso de ódio e do fenómeno de exclusão social entre crianças e adolescentes.

5.1.4. Distribuição Temporal à Publicação de Artigos

O último aspeto incluído na caracterização do corpus de análise remete para a evolução do número de artigos publicados ao longo do tempo (figura 2).


Figura 2
Evolução anual do número de artigos publicados

Os resultados revelam um aumento significativo da produção científica durante a última década — o que poderá estar relacionado com a expansão das redes sociais digitais — sendo particularmente exponencial entre 2007 e 2020. Recentemente, vários acontecimentos marcaram a atualidade de diversos países, o que pode ter potenciado o crescimento do interesse académico pela área do discurso de ódio. Eventos como a crise de refugiados na Europa, em 2015, desencadeada pelo conflito na Síria, os atentados de Paris, também em 2015, o ataque a duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, em março de 2019, o assassinato do professor francês Samuel Paty, em outubro de 2020, ou de cidadãos afroamericanos sob custódia policial (casos como os de George Floyd, em maio de 2020, ou Michael Brown, em 2014) que, no seu rescaldo, geraram ondas de protestos nas ruas e contestação nas redes sociais.

Importa, ainda, relembrar os anteriormente referidos números especiais dedicados ao discurso de ódio na Howard Journal of Communications, em 1995, na Information & Communications Technology Law, em 2009 e 2018, e no International Journal of Communication, em 2019, que ajudam a explicar os picos registados no gráfico durante estes anos. Quanto ao incremento verificado em 2014, todos os cinco artigos publicados este ano pertencem a revistas diferentes, sendo que apenas o Journal of Radio and Auto Media emitiu um número especial dedicado à cultura de shock radio.

5.2 Grupos Analisados

Analisar os grupos abordados nos diferentes artigos permitiu perceber quais as etnias, comunidades ou religiões que despertam maior interesse entre os académicos. Após a leitura dos resumos, decidiu-se que a análise seria conduzida em duas vertentes distintas: os grupos estudados — sobre quem recai a análise empírica levada a cabo pelos investigadores — e os grupos visados — grupos sobre os quais recaem o comportamento, ou as ações, dos primeiros (tabela 5). A título de exemplo, num artigo que analise o comportamento de jovens perante situações de discurso de ódio contra muçulmanos, os jovens são considerados o grupo estudado e os muçulmanos, o grupo visado. Dada a extensa diversidade obtida da análise da totalidade do corpus (N=85), foram apenas selecionados e discutidos, para ambos os casos, os cinco grupos com maior número de artigos. Importa relembrar que, embora a análise tenha sido conduzida sobre os 85 artigos do corpus, e desses terem sido apenas analisados os cinco grupos com maior número de artigos, alguns trabalhos incluem o estudo de mais do que um grupo, pelo que mesmo que fosse apresentada a totalidade do corpus de análise nas tabelas, a soma de artigos não iria corresponder a N=85.

Tabela 5
Distribuição dos artigos por grupos estudados e por grupos visados

Na primeira perspetiva, a dos grupos estudados, a análise revelou-se mais complexa por incluir categorias mais abrangentes. Em muitos casos, os indivíduos alvo do estudo empírico não pertenciam a um grupo específico, isto é, não eram jovens, jornalistas ou ocidentais, mas sim cidadãos comuns a quem não foi atribuído qualquer tipo de diferenciação.

Nesta categoria, o maior volume de artigos (14) foi atribuído a autores de discurso de ódio. Reconhecendo tratar-se de uma classificação muito abrangente, foi necessária a sua criação para incluir os artigos que estudavam, por exemplo, os ataques de cidadãos comuns a determinadas etnias ou comunidades, não só nas redes sociais, mas também noutras plataformas, como websites de notícias. Nestes casos, o grupo em questão não constituía uma amostra específica, sendo o único ponto em comum entre os indivíduos o facto de todos promoverem o discurso de ódio.

Relativamente ao público em geral, que reúne 11 artigos, foram incluídos os estudos referentes ao comportamento do público perante situações de ódio. Tal como a categoria anterior, este é um grupo abrangente, mas diferencia-se por se referir a trabalhos cujo objeto de estudo é o comportamento do público, independentemente de este proferir, compactuar ou promover (ou não) o discurso de ódio. Trata-se, por exemplo, de artigos que estudam a reação do público a determinadas notícias sobre minorias ou que avaliam o comportamento dos indivíduos perante atos de discriminação com que se deparam, nomeadamente, se estariam dispostos a intervir e, se sim, em que situações o fariam.

A categoria media, com um total de oito artigos, inclui pesquisas que analisam a atuação dos media, seja na cobertura mediática de um evento que envolva cidadãos pertencentes a alguma minoria, seja sobre o comportamento de jornalistas ou sobre conteúdos de programas de rádio/televisão que tenham gerado controvérsia.

As duas últimas categorias do ranking, mais fáceis de identificar e definir, referem-se a estudantes universitários e jovens (seis artigos) e supremacistas brancos (dois artigos). Os estudos reunidos em ambos os casos analisam o comportamento destes dois grupos perante determinadas comunidades ou minorias étnicas.

Quanto à segunda perspetiva de análise, a dos grupos visados, a categorização foi mais clara face a uma maior facilidade em identificar as potenciais vítimas de discurso de ódio. Assim, verificou-se que a comunidade islâmica/muçulmana (seis artigos), as mulheres (cinco artigos), os africanos e afroamericanos (quatro artigos) e os imigrantes, comunidade cigana e comunidade LGBT (três artigos cada um) foram os grupos mais visados nos estudos recolhidos.

5.3 Natureza dos Artigos

A análise prossegue com a classificação segundo a natureza dos artigos, ou seja, o objetivo principal de cada um (tabela 6). A leitura dos resumos permitiu estabelecer cinco categorias distintas — comportamento, cobertura mediática, teórico, jurídico/regulação e moderação — clarificadas na tabela abaixo.

Tabela 6
Descrição das diferentes categorias atribuídas à natureza dos artigos

Após a classificação de cada artigo (figura 3), verificou-se que a maioria aborda questões de comportamento (33%, com 28 artigos) ou era de natureza teórica (32%, com 27). Na terceira posição surgem os artigos de âmbito jurídico/regulação (22%, com 19), seguindo-se os de cobertura mediática (7%, com seis artigos) e moderação (6%, com cinco artigos).


Figura 3
Distribuição do volume de artigos por natureza do estudo

Numa segunda fase, e com o intuito de completar a análise feita anteriormente ao volume de trabalhos publicados em cada ano, replicou-se o mesmo exercício, desta vez com o objetivo de compreender como têm evoluído os objetivos dos artigos ao longo dos anos (figura 4). Entre 1990 e 2007, a maioria dos trabalhos apresentados são de natureza jurídica ou teórica. Importa referir que esta corresponde a uma época que não contou com a explosão das redes sociais digitais[4], verificando-se a maioria das ocorrências de discurso de ódio em plataformas mediáticas. Esta poderá ser a razão que justifica o facto de a atenção dada a esta temática nos primeiros anos ser direcionada, por um lado, para questões de legislação e normas de regulamentação por parte de diferentes entidades e, por outro, para tentativas de enquadrar e compreender o discurso de ódio de acordo com diversas teorias comunicacionais ou comportamentais. Com a chegada das redes sociais enquanto plataformas de discussão e troca de ideias (Innerarity, 2013; Kruse et al., 2018; Loader & Mercea, 2011; van Dijck, 2013), a atenção dos investigadores diversificou-se, passando a cobrir um vasto leque de vertentes, desde a análise ao comportamento dos próprios media, até à importância da moderação de conteúdo ou aos efeitos do discurso de ódio nas vítimas.


Figura 4
Evolução anual do número de artigos por natureza do estudo

5.4 Abordagem Metodológica

Para entender o trabalho que tem sido feito no campo do discurso de ódio, a análise passa, obrigatoriamente, pela metodologia utilizada nos diferentes artigos. Dado o volume de trabalhos recolhido, apresentar uma listagem de todas as técnicas metodológicas encontradas não seria viável, não só por se tratar de um conjunto vasto, mas também porque a informação seria ilegível em termos de apresentação gráfica. Por estes motivos, optou-se, em primeiro lugar, por classificar os artigos como sendo empíricos ou não empíricos e, posteriormente, por categorizar os trabalhos de campo quanto ao tipo de abordagem metodológica: qualitativa, quantitativa ou mista (figura 5).


Figura 5
Diferenciação entre artigos empíricos e não-empíricos

Embora os primeiros anos de pesquisa sobre o discurso de ódio tenham reunido um volume considerável de artigos teóricos, como se verificou anteriormente, a verdade é que o intensificar do volume de trabalhos ao longo dos anos parece ter mudado esta tendência. De facto, embora os artigos não-empíricos correspondam a 44% do corpus analisado (37 artigos), os trabalhos empíricos estão claramente em maioria ao reunirem 56% do total da amostra (48 artigos).


Figura 6
Distribuição dos artigos empíricos por tipo de metodologia utilizada

O segundo exercício desta análise coloca o foco nos 48 artigos empíricos e procura entender que tipos de abordagens metodológicas são mais recorrentes no estudo do discurso de ódio (figura 6). Como referido nos parágrafos anteriores, tendo em conta o volume de ferramentas utilizadas pelos investigadores, optou-se por classificar os artigos como sendo qualitativos, quantitativos ou mistos, de forma a facilitar a leitura. As abordagens qualitativas lideram a contagem com 27 artigos, ou seja, mais de metade do total de trabalhos empíricos (56%). Aqui, a análise do discurso, as entrevistas e os grupos de foco são algumas das técnicas mais frequentemente utilizadas pelos investigadores. As abordagens quantitativas surgem na segunda posição, com um total de 14 artigos (29%), sendo que aqui são englobados os estudos feitos com base em inquéritos, sondagens ou recolha de dados a partir de softwares, por exemplo. Por último, as metodologias mistas são contabilizadas em apenas sete artigos (15%).

5.5 Foco dos artigos nos intervenientes

A última fase de análise aos artigos recolhidos procurou entender sobre que intervenientes no discurso de ódio recaía o foco do artigo. Esta etapa distingue-se da exposta no ponto 3, por não se debruçar no objetivo concreto do estudo, mas sim nos indivíduos e instituições que, de alguma forma, participam, ou não, no ódio online. Para facilitar o processo de classificação dos artigos, foram criadas seis categorias, especificadas na tabela 7.

Tabela 7
Classificação dos artigos mediante o foco nos intervenientes no discurso de ódio

Seguindo o exemplo de Fillol e Pereira (2020), foi feito um levantamento das palavras-chave associadas aos artigos, de forma a entender a frequência com que ocorriam e compreender quais os temas e subtemas a que o discurso de ódio tem sido associado. Dado o volume de palavras-chave existentes para os diferentes trabalhos, optou-se por fazer um levantamento dos termos com uma frequência mínima de quatro referências e ilustrá-los em formato de nuvem de palavras, como se vê na figura 8.


Figura 8
Representação em nuvem das palavras-chave mais frequentes

O termo hate speech é a palavra-chave principal ao aparecer em 68% (58) dos artigos do corpus de análise. Um dado interessante que importa salientar é o facto de hate, que podemos definir como sendo um termo relacionado ou derivado de hate speech, aparecer em apenas cinco artigos e só a partir de 2019. Embora não tenha sido possível encontrar uma justificação adequada, não deixa de ser um dado surpreendente dado que seria expectável que tivesse uma expressão maior na amostra de trabalhos recolhidos.

Entre as palavras-chave selecionadas para a nuvem de conceitos, racism (racismo) e islamophobia (islamofobia) são as únicas que se referem a características que, pelo seu potencial discriminatório, são consideradas protegidas (raça e religião, respetivamente). Ainda assim, os resultados obtidos para cada uma delas são curiosos. Por um lado, racism, com 11 ocorrências, surge ainda na década de 1990 e maioritariamente associado a artigos dos Estados Unidos da América. Já islamophobia, com 4 ocorrências, surge apenas a partir de 2016 e associada a trabalhos do Reino Unido, nomeadamente, aos já referidos casos do Brexit e da English Defense League.

Um outro aspeto que merece atenção é o facto de freedom of speech e freedom of expression aparecem, em conjunto, num total de 16 artigos (19% do corpus de análise), a maioria deles em trabalhos dos Estados Unidos, o que corrobora a já referida visão protecionista do país relativamente ao discurso livre.

6. Considerações Finais

Este artigo teve como objetivo mapear o trabalho que tem sido feito desde 1990 (data do primeiro artigo do corpus analisado[6]), em torno do discurso de ódio. Entender as perspetivas abordadas, as metodologias adotadas e os grupos e países estudados permitiu avaliar quais os principais interesses da área para os académicos e descobrir possíveis lacunas na investigação, abrindo portas a futuros trabalhos.

Apesar de se tratar de um trabalho exploratório, considera-se que a presente RSL não deixa de representar um levantamento importante sobre o estado da investigação ao discurso de ódio. Em termos de perspetivas estudadas, verificou-se, por exemplo, a existência de um grande volume de artigos com foco puramente teórico (seja por proporem novos conceitos ou refletirem sobre a pesquisa da área) ou direcionados para o comportamento (que avaliam todas as perspetivas associadas a atos de discriminação, seja o conteúdo divulgado, seja as causas dos agressores ou os efeitos nas vítimas). A perspetiva da moderação é uma das mais recentes preocupações dos académicos, em especial, após o alavancar das redes sociais e dos comentários online. Contudo, esta é talvez a principal razão por ser a perspetiva menos trabalhada no corpus em análise. Ainda assim, o número de artigos relativos à moderação, seja sobre o estudo de mecanismos que a facilitem, ou sobre as entidades ou indivíduos que tomam parte ativa nesse processo, mais do que triplicou de 2019 para 2020. Trata-se, portanto, de um campo em claro crescimento e que deverá conhecer novas investigações e trabalhos ao longo dos próximos anos.

A análise complementar à perspetiva dos artigos revelou que, entre 1990 e 2007, os trabalhos são maioritariamente teóricos ou apresentam uma perspetiva jurídica, sendo a partir de 2008 não só aumenta o volume de artigos publicados, como se diversificam as perspetivas e preocupações dos investigadores.

Em termos geográficos, os Estados Unidos são o país mais representado nos vários estudos, no entanto, países como o Reino Unido ou a Roménia começam, aos poucos, a ganhar destaque. Quanto aos grupos visados nos artigos, os muçulmanos, as mulheres e os afroamericanos são os que despertam maior interesse junto dos investigadores.

Ressalvando, uma vez mais, o seu cariz exploratório, esta RSL permitiu abrir portas a futuros trabalhos complementares, tendo como suporte orientador este breve mapa do vasto e complexo conceito que é o discurso de ódio. No campo metodológico, por exemplo, verifica-se um recurso escasso a metodologias mistas e uma ausência de projetos interventivos ou de investigação-ação. Pensa-se que ambas as abordagens poderão integrar investigações futuras, dado permitirem uma maior complementaridade dos dados obtidos e obter análises mais aprofundadas sobre o discurso de ódio.

Da mesma forma, denota-se uma ausência de estudos empíricos junto das faixas etárias mais jovens (crianças e adolescentes) que, devido ao uso da internet e redes sociais digitais, começam, nesta fase das suas vidas, a contactar com algumas formas de discurso de ódio, nomeadamente, o ciberbullying. Considera-se, por isso, crucial englobar estes grupos em estudos futuros, de forma a analisar as suas perceções sobre o discurso de ódio e os seus diferentes espectros.

Por fim, importa referir que a presente RSL não está livre de limitações que é necessário ter em conta. Em primeiro lugar, por se basear apenas em artigos referenciados numa única base de dados, a Communication Abstracts — especializada na área da Comunicação — ficam excluídos possíveis trabalhos levados a cabo noutros campos de investigação, como a Psicologia ou o Direito, por exemplo. Em segundo, a maioria das revistas referenciadas na plataforma é anglo-saxónica, ficando de fora um possível leque de artigos em diferentes línguas, pelo que será importante alargar numa futura pesquisa a outros idiomas.

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Notas

[1] Em 2018, a Anti-Defamation League (ADL) apresentou a Pirâmide do Ódio onde esquematiza diferentes níveis de ódio e opressão presentes na sociedade. No segundo nível da pirâmide, que inclui atos de preconceito, a ADL inclui, entre outros, os fenómenos do bullying e ciberbullying. Desta forma, é possível enquadrar o ciberbullying dentro do espectro do discurso de ódio, ainda que seja um conceito distinto.
[2] Alguns artigos apresentam estudos conduzidos em mais do que um país sendo que, nesses casos, todos os países foram contabilizados. Isto significa que, por exemplo, um artigo que envolva dados dos Estados Unidos e Reino Unido, foram considerados dois países, embora se tratasse de um único artigo. Por essa razão, a soma das parcelas presentes no gráfico é superior à amostra de artigos recolhidos.
[3] O número especial do Howard Journal of Communications foi impulsionado por um intensificar de eventos racistas, sexistas e homofóbicos, na reta final da década de 1980, que levou as universidades norte-americanas a desenhar políticas de combate ao discurso de ódio (Hemmer Jr., 1995).
[4] Até 2007, MySpace, Reddit e Youtube integravam o reduzido grupo de plataformas sociais presentes no mercado digital. Em 2008, ano em que surgiu, o Facebook registou 100 milhões de utilizadores ativos por mês e esse valor mais do que duplicou em 2009. Também em 2008 o Youtube registou um crescimento de 150 milhões de utilizadores ativos mensais. Em 2010, estas duas plataformas destacaram-se das restantes redes sociais, com o Facebook a alcançar os 517 milhões de utilizadores ativos e o Youtube os 480 milhões. A partir daqui o mercado de redes sociais registou o aparecimento de várias plataformas novas como o Whatsapp e o Instagram, ambos em 2013, o Pinterest, em 2016, e o TikTok, em 2018 (Our World in Data, 2019).
[5] Um dos artigos analisados apresenta um duplo objetivo (vítimas e agressores). Por essa razão, tal como procedido na análise relativa à distribuição geográfica, foram contabilizados dois objetivos neste caso, o que gera uma ligeira discrepância entre a soma das secções do gráfico e o total da amostra.
[6] Não foi possível identificar uma causa que justificasse a data de publicação do primeiro artigo (1990). Contudo, tal como referido na análise às revistas, uma das possibilidades é a implementação de normas contra o discurso os atos de ódio nas universidades norte-americanas, motivada pelo incremento de eventos discriminatórios no final da década de 1980 (Hemmer Jr., 1995).

Autor notes

Catarina Navio é Doutoranda em ciências da comunicação no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho e dedica a sua investigação à perceção dos jovens sobre o discurso de ódio. É, ainda, colaborada do MILObs – Observatório sobre Media, Informação e Literacia.


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